SUCRE, BOLÍVIA – Na quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos convocou uma audiência pública em Sucre, Bolívia, para discutir a situação dos direitos humanos dos povos indígenas no Brasil. Durante a audiência, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (COIAB), a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME) e o Indian Law Resource Center (o Centro) denunciaram o governo de Jair Bolsonaro por suas políticas que colocam em risco os direitos humanos dos povos indígenas. A delegação de organizações também informou a Comissão sobre o aumento da violência contra as comunidades indígenas desde as eleições presidenciais de 2018.
As organizações enfatizaram as declarações já conhecidas de Bolsonaro contra as comunidades indígenas, nas quais ele comparou os povos indígenas que vivem em reservas a animais de zoológico e prometeu que, se eleito, nem um centímetro de terra seria demarcado para comunidades indígenas e quilombolas.
As informações apresentadas à Comissão indicaram que Bolsonaro está cumprindo suas promessas de campanha. Primeiramente, por meio da Medida Provisória 870 e dos Decretos 9660 e 9667, Bolsonaro criou uma série de medidas destinadas a dificultar o processo de demarcação de terras indígenas. Além disso, Bolsonaro desvinculou a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) do Ministério da Justiça, como existia desde 1991, e a vinculou ao Ministério da Família, Mulheres e Direitos Humanos, que até 2018 se chamava Ministério dos Direitos Humanos. Ele também retirou da FUNAI a competência para demarcar terras indígenas, bem como a formulação, coordenação e fiscalização das ações e diretrizes sobre licenças ambientais que afetam terras de comunidades indígenas e quilombolas.
Outro órgão governamental que sofreu mudanças sob o governo Bolsonaro foi o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI). O CNPI, órgão consultivo, é responsável pela elaboração, acompanhamento e implementação de políticas públicas voltadas para as comunidades indígenas. Criado pelo Decreto nº 8.593, de 17 de dezembro de 2015, o CNPI é composto por 45 membros: 15 representantes do Poder Executivo Federal, todos com direito a voto; 28 representantes de comunidades e organizações indígenas, com 13 direitos de voto; e dois representantes de entidades indígenas, também com direito a voto. O CNPI foi transferido do Ministério da Justiça para o Ministério da Família, Mulheres e Direitos Humanos.
Luiz Henrique Eloy, advogado da APIB e membro dos povos indígenas de Terena, ressaltou que essas mudanças ocorreram sem os procedimentos de consulta livre, prévia e informada exigidos pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, pela Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas e pela jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Eloy também enfatizou que essas “alterações feitas pelo Estado brasileiro colocam a demarcação de terras indígenas nas mãos do agronegócio, inimigos históricos dos povos indígenas brasileiros”.
Em referência à demarcação de terras indígenas no Brasil, Angela Kaxuyana, membro da COAIB e do povo indígena Kaxuyana, afirmou que “o Estado brasileiro não tomou nenhuma providência para demarcar as 537 terras reivindicadas por povos indígenas, o que corresponde a 41% do total de terras indígenas do país”. Ela também observou que, enquanto essa audiência perante a Comissão estava sendo realizada, os ministros Gustavo Bebianno (Secretário-Geral da Presidência), Ricardo Salles (Ministério do Meio Ambiente) e Damares Alves (Ministério da Família, Mulheres e Direitos Humanos) realizaram uma visita in loco a Zoé, comunidade indígena recentemente contatada. A visita teve como objetivo discutir a retomada do projeto Calha Norte, do governo José Sarney, para reduzir a presença militar na Amazônia.
George de Vasconcelos, do povo indígena Pankararu e coordenador da APOINME, destacou os violentos ataques que seu povo vem sofrendo por parte de invasores que buscam a posse de terras Pankararu, apesar de uma firme decisão judicial proferida em 2010 em favor dos povos Pankararu. Segundo Vasconcelos, “no dia da eleição de Bolsonaro, terras indígenas do povo Pankararu, no município de Jatobá, Pernambuco, foram atacadas e tanto um posto de saúde quanto uma escola frequentada por membros da comunidade foram incendiados”.
Leonardo Crippa, advogado sênior do Centro, apresentou as solicitações que as organizações indígenas prepararam para a Comissão. Em particular, solicitaram a retomada do diálogo entre o Estado e os representantes indígenas reconhecidos pelos povos indígenas do Brasil por meio da CNPI. Solicitaram também que o Estado priorize a demarcação de terras indígenas e se abstenha de praticar atos – por agentes do Estado ou terceiros agindo com sua permissão ou tolerância – que afetem terras indígenas ou seu meio ambiente.
Para mais informações, entre em contato com:
Brasil - Marcelo Azambuja [email protegido]
Estados Unidos - Leonardo Crippa [email protected]